Eu me chamo Eduardo Rêgo
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Publicações:
"O
mar recebe o rio. O rio" (11/07/20)
por Mário
Faustino. O HOMEM E SUA HORA E OUTROS
POEMAS, 2010.
§
O mar recebe o rio. O rio
faustosamente corre
para o mar
o rio-mar
um hino apologético do mundo.
Dosséis verdes flutuam sobre os outros
tantos dosséis azuis —
santos dos santos
santos dos santos fluem
deuses, deuses mais deuses — e floresta.
Meu nome é legião. Meu nome escorre
e para — o mar! o mar!
Apolo! — o fundo
do céu é verde-gaio sobre os potros
arfando — tantos, tantos — rumo sul.
Mente mefistofélica arrastando
rostos e restos, rosa, fumo, verme
santos dos santos
azul-gaio
fluxo ...
✦✦✦
Manoel
Bandeira. (11/07/20)
por
Sérgio Buarque de Holanda. REVISTA
FON-FON, 1922.
Foi Theophilo Gautier quem primeiro
enunciou aquella theoria celebre, hoje
batidissima, da Arte pela Arte. Allias, é um dos dos
raros lugares communs que têm alguma razão de ser.
Mas o próprio Gautier não a empregou em um bom
sentido, o unico acceitavel, que ficou até ha bem
pouco, obliterado, devido á poesia philosophica, á
poeia scientifica e outras tolices do memo jaez.
A phrase de
Flaubert, tão mal interpretada, não é muito mais
do que uma variante daquelle pincipio:
«Um bello verso que nada significa é inferior a
um verso menos bello que significa alguma cousa»
Só muito
modernamente, porém, alguns poetas tiveram
consciencia do preceito do auctor dos Émaux et
Camées. Aldo Pallazzeschi, por exemplo,
possuiu-a sempre no mais alto grau. E foi
precisamente a propósito delle que Loffici,
o homem mais intelligente da Italia, expoz aquella
ideia interessantissima que dá o clown como figura
do artista desinteressado, a ideia do divertimento
pelo divertimento. A esthetica de Pallazzeschi
coaduna-se bem com essa theoria. Elle proprio diz
em poemeto admiravel:
"Chi
sono?/
Il saltimbanco dell'anima mia"
Foi Pallazzeschi como nota o mesmo
Loffici quem como nenhum outro, talvez, usou de
uma poesia comprehendida como simples capricho,
como mera effusão de um estado lyrico qualquer que
este seja, sem nenhum escopo, sem nenhuma razão de
ser nem relação com os valores sociaes correntes.
No Brasil, quem
se acha mais precisamente nesses casos é, sem
duvida, Manuel Bandeira, o poeta do Carnaval.
Não quero dizer que elle seja um epigono do
creador de Perela. Ao contrario, sua obra veste-se
de tal cunho de originalidade que é inutil irmos
procurar quem mais influencia exerceu sobre elle.
Ha nella um pouco dessa melancolia muito
brasileira que existe por exemplo naquelle verso,
o ultimo de seu ultimo livro:
"...
O meu Carnaval sem nenhuma
alegria!..."
Essa melancolia é porém mais accentuda
em sua primeira obra A cinza das horas,
onda ha estes versos que poderiam servir de
epigraphe ao livro:
"Fecha
o meu livro, si por agora
Não tens motivo nenhum de pranto"
No Carnaval, talvez por exigencia do
assumpto, essa melancolia quasi desapparece.
Citei essa
particularidade da poesia de Bandeira precisamente
para mostrar que a influencia de Pallazzeschi não
existe ahi. E' sabido que o creador de Perela não
admitte a tristeza como elemento de emoção
artistica. Em seu manifesto futurista de dezembro
de 1913, declara sem ambages que o soliloquio de
Hamleto, o ciume de Othelo, as furias de Orestes,
o fim de Margarida Gauthier, os gemidos de
Oswaldo, acompanhados por um publico intelligente,
devem suscitar as mais clamorosas risadas.
E diz mais que
as maiores fontes da alegria humana estão no homem
que chora e no homem que morre. Nada disso se
deduz da poesia de Manuel Bandeira.
Ella é antes de
tudo sua e só sua. George Brandes, o grande
critico dinamarquez, em seu ensaio sobre Anatole
France nota que os verdadeiros auctores se
conhecem pelo facto de muitos de seus escriptos so
poderem ser escritos por elles e por niguem mais.
Por alguns de seus poemas, por todos elles,
pode-se dizer de Bandeira que cabe bem entre
elles, entre os verdadeiros auctores. Quem senão
elle poderia ter escripto por exemplo, para só
falar em sua ultima obra, as estupendas quadras
dos Sapos, a magnifica Baladilha
achaica, o sentimental Poema de uma
quarta-feira de cinzas, o Sonho de uma
terça-feira gorda em que o verso livre foge
a todas as regras consetudinarias e mesmo aquelle
bello Rimancete embora lembre um pouco
Antonio Nobre?
A Manuel
Bandeira cabe, pois, actualmente uma bella posição
na literatura nacional: a de iniciador do
movimento modernista. O auctor do Carnaval deu o
primeiro golpe na poesia idiota da epoca em que
ainda se usava o guarda-chuva, que é positivamente
uma prova evidente do mau gosto esthetico dos
nossos avós.
✦✦✦
Tudo demais faz mal. (21/06/20)
Há
esse velho ditado que diz que tudo demais faz mal. Não
sei por quê, mas os ditos e provérbios populares
sempre me chamaram a atenção; talvez pela concisão
que guarda muita informação numa simplicidade
deveras complexa, talvez por costumarem vir com
esse ar de mistério que sempre chega aos ouvidos
como um aviso: "Faça isto, não faça aquilo. Se
(não) fizer, morre. Ou pior, vive pra ver as
coisas darem com os burro n'água." Pois bem, às
vezes quer o destino que aconteçam as duas coisas
ao mesmo tempo: por não se dar ouvidos ao ditado,
há quem morra, e há ainda outros que ficam para
ver tudo o mais dar com os burros n'água. Eis que
o motivo dessa publicação tem tudo a ver com
burros e água.
Passeando ontem pela internet, dei de cara com
uma notícia chocante: um garoto americano de 11
anos, chamado Zachary Sabin, foi encontrado
morto na própria cama depois de os pais o
obrigarem a ingerir cerca de três litros de água
durante um espaço de tempo de 4 horas. Eu
já havia ouvido falar de intoxicação por água,
mas não sabia que poderia levar à morte como a
que aconteceu ao pequeno Zachary. Minha pergunta
imediata foi: como não se deram conta os pais de
que o menino estava sendo obrigado a ingerir
líquido demais?! — fiquei sem respostas, mas o
triste caso dos pais que transbordaram o próprio
filho de H2O me fez apreciar que inclusive o que
te mantém vivo, por mais inocente que o possa
parecer, na dosagem errada, pode ser o pior dos
venenos.
Os gregos mantinham muito próxima a releção entre
cura, pureza e catarse com veneno, morte e
encantamento. Rituais catárticos de purificação
entre os antigos gregos muitas vezes envolviam o
sacrifício de escravos, deficientes ou
foras-da-lei. Antes da matança, era esperado que
aqueles fossem extremamente bem alimentados e
tratados com a maior dedicação: em países onde
ainda se pratica a pena de morte, a prática da
"última refeição" do condenado ganha também
contornos quase ritualísticos no imaginário
popular (vide tantos blogs e sites tornando
públicas quais refeições este ou aquele assassino
demandou como último desejo). O estado de "pureza
social" pede, ali, uma pharmakeia.
A água como substância ligada à pureza, limpeza e
saúde, também pode estar aliada ao sentimento de
morte, encantamento e, por que não, veneno. Como
nos revela T. S. Eliot nessa seção de seu The
Waste Land:
IV.
DEATH BY WATER
Phlebas the Phoenician, a fortnight dead,
Forgot the cry of gulls, and the deep sea
swell
And the profit and loss.
A current under sea
Picked his bones in whispers. As he rose and
fell
He passed the stages of his age and youth
Entering the whirlpool.
Gentile or Jew
O you who turn the wheel and look to
windward,
Consider Phlebas, who was once handsome and
tall as you.
Eliot nos dá a entender que o Marinheiro Fenício
morreu por afogamento — um afogamento simbólico,
talvez? No mesmo poema Eliot faz referência ao
Tarô de Madame Sosostris ("with a wicked pack of
cards") que adverte: "I do not find the Hanged
Man. Fear death by water". Estaria condenado o
Marinheiro Fenício a morrer sufocado, fosse dentro
d'água ou fora dela? No tarô, a água simboliza os
sentimentos; o ar, o intelecto. Divago... Mas não
é apenas por afogamento que pode matar a água em
demasia, como mostra o famoso caso de Jeniffer
Strange, que em 2007 morreu após ingerir quatro litros de água
durante um desafio proposto por uma estação de
rádio americana em troca de um Nintendo Wii. A
mais que incompetente equipe de rádio sequer
aventou a possibilidade de que a ingestão de muita
água num curto espaço de tempo poderia causar toda
sorte de efeitos danosos ao corpo humano, e mais
uma vida foi burramente perdida.
De fato, o conhecimento de que a ingestão
abundante de água em curtos intervalos pode matar
é usada pelo menos desde o séc. XV como
instrumento de tortura e execução. Os países
anglófonos separam os termos watercure e
waterboarding para duas práticas similares de
tortura que têm efeitos bem diferentes, mas
poderosos — cada qual em sua torpe especificidade.
Em 2017, em mais um de seus disparates contra os
direitos-humanos, o atual presidente americano
Donald Trump confessou ter "absoluta convicção"
que a prática de waterboarding funciona.
Waterboarding consiste na simulação de afogamento
através do derramamento de líquido sobre um tecido
de malha grossa e permeável disposto sobre as vias
respiratórias de uma vítima previamente
imobilizada. Por não envolver a ingestão de água,
senão a ocasional ingestão pela vítima
experenciando o afogamento, o método não é
confundido com watercure. Esse sim, consistindo na
administração de água ao sistema digestivo da
vítima,— muitas vezes até haver a deformação do
estômago através da super-dilatação — ocasiona
efeitos similares aos que levaram às mortes de
Zachary e Jeniffer.
Além do incrível desconforto causado pela
quantidade muito grande de líquido no estômago, a
ingestão demasiada de água causa um severo
imbalanço dos eletrólitos no corpo, e isso
eventualmente ocasiona os óbitos. O equilíbrio
eletrolítico é uma espécie de entropia ou
omeostase química que assegura que dois ambientes
distintos tenham quantidades similares de sais e
água. Quando esse equilíbrio se perde, os
organismos em busca da omeostase passam a retomar
o equilíbrio através do ganho ou da perda de água.
O fenômeno pode ser observado nos peixes de água
doce e salgada. Enquanto os primeiros, por
habitarem um abiente hipotônico, evitam a ingestão
excessiva de água e urinam com frequência; os
últimos, habitando um ambiente mais rico em sais
e, por isso, hipertônico, ingerem muita água e
excretam pouco, procurando se livrar apenas dos
sais ingeridos.
O que acontece quando um ser-humano ingere muita
água em um curto espaço de tempo é que as células,
que contém mais sais eletrolíticos que o líquido
ingerido, começam a absorver a água para manter a
omeostase. Como a quantidade de água é muito maior
que a capacidade celular, essas começam a ficar
inchadas, causando toda sorte de complicações. As
células cerebrais, por exemplo, sofrem inchaço e
provocam um aumento na pressão intra-craniana,
levando o enfermo a sofrer desde náuseas e dores
de cabeça até uma estranha irritabilidade e
mudanças nos traços de personalidade. Se a
condição avança muito e as células ficam demasiado
inchadas, a circulação sanguínea é alterada e se
incia a criação de coágulos e endemas cerebrais,
esse estágio pode ocasionar desmaios, comas e
óbito. É a morte calcada no exagero.
Em tempos de estranhamentos, exageros e
extremismos ideológicos, talvez caiba lembrar a
nós mesmos a importância da entropia e da ingestão
de isotônicos: como um suco de melancia bem
gelado. Isso, quem sabe, teria arrefecido a
ignorante sede do Marinheiro Fenício.
Tudo demais faz mal.
✦✦✦
Olá,
mundo! (20/06/20)
Esta é minha página pessoal. Aqui
pretendo compartilhar poemas, artigos de
cunho literário ou político, bem como
traduções e links para fontes e referências
(a)d(i)versos. Por ser uma página pessoal,
não é de sua finalidade mais urgente a
diversão do leitor, mas, mais propriamente,
um passatempo para o autor da página, que em
outras palavras e latim mais preciso: é este
cidadão da Rede que vos fala. Quero dizer,
daqui posso exercitar a escrita bem como
aprender os fundamentos da pogramação em
HTML, isto é, enquanto dois ou três leitores
de índole bizantina se divertem em um site
de fundo branco — Radical.